Aqui se transcreve o artigo de opinião publicado do DN
"Por uma campanha alegre A luta contra Cavaco não pode ser vista como a luta contra o regresso do fascismo. Mas as suas louvadas características, a serem verdadeiras, prendem-se com as funções de primeiro--ministro - e para o que conta, a Presidência da República, Cavaco não tem o perfil adequado"
Manuel Alberto Valente
"Nasci numa família de esquerda, uma família da pequena burguesia para quem Salazar encarnava todos os males da pátria. O meu avô paterno tinha sido carbonário e maçon, o materno ouvia diariamente a BBC como quem ouve a palavra de Deus. Um era republicano e ateu, o outro um liberal no sentido de que amava acima de tudo a liberdade. Cresci de esquerda e sempre achei que, com todos os defeitos que pudesse ter, a esquerda era sempre melhor do que a melhor direita. Daí que, tendo percebido, aquando do discurso de Viseu, que Manuel Alegre se retirava da corrida presidencial, me tenha disposto a apoiar o único candidato da área da esquerda com possibilidades de fazer frente a Cavaco Silva; estive por isso na apresentação da candidatura de Mário Soares, convencido de que, nessas circunstâncias, era a escolha que restava para uma batalha incerta - não me impressionava a questão da idade, nem o regresso "monárquico" às cadeiras do supremo poder. Soares é um património incontornável da democracia portuguesa e, se estava disposto a avançar, o "povo de esquerda" avançaria todo com ele.Percebi depois, no real, que este todo era muito relativo. À minha volta multiplicavam-se dia a dia as vozes daqueles que se recusavam a votar Soares, que ameaçavam aumentar o exército potencial da abstenção ou do voto em branco, que quase já branqueavam o passado de Cavaco para aceitarem a inevitabilidade da sua eleição como presidente da República. E por isso, quando em Águeda Manuel Alegre deu o passo em frente, senti que começara uma nova batalha e que o meu lugar era afinal aí.Que Manuel Alegre tenha clarificado em Águeda o que parecia mais ambíguo em Viseu é um pormenor que só interessa a analistas de segunda escolha. Em política, cada momento gera as suas próprias regras e nenhum político pode a priori conhecê-las. Alegre, abandonado pelo aparelho, não quis, num primeiro momento, provocar uma divisão no seio do PS; mas a realidade veio mostrar-lhe que a divisão já existia, que grande parte do eleitorado PS não votaria Soares e que portanto, em nome do PS e para bem do PS e da esquerda, a sua candidatura era imprescindível ao combate político e à afirmação plena da democracia participativa.Por isso estou com ele. E estar com ele não significa estar contra Mário Soares, mas sim defender uma candidatura alternativa, que abre espaço ao centro e à esquerda, que evita os efeitos abstencionistas da bipolarização, que mobiliza a juventude. Sem Alegre, Cavaco podia ganhar à primeira volta; com Alegre, ao que tudo indica, as coisas não serão tão lineares.A recente sondagem da TVI, anunciada em dia de eleições autárquicas, indicia que Manuel Alegre é quem está mais bem colocado para obrigar Cavaco a uma segunda volta. Daí que todos aqueles que não querem Cavaco como presidente devam agora pensar seriamente como utilizar eficazmente o seu voto. Diga-se - porque é importante dizê-lo - que a luta contra Cavaco não pode ser entendida, nem anunciada, como uma luta contra o regresso do fascismo. O que atrai grande parte do eleitorado para Cavaco é uma certa ideia de disciplina, de domínio da área económica, de capacidade para aglutinar os descontentes da actual situação política. É preciso explicar que essas características, a serem verdadeiras, se prendem com as funções de primeiro-ministro - e que, para o que conta, a Presidência da República, Cavaco não tem o perfil adequado.Manuel Alegre, pelo contrário, tem perfil a postura de um chefe de Estado, uma obra que faz dele um dos grandes intelectuais portugueses do seu tempo, patriotismo indefectível, uma integridade moral a toda a prova, prestígio internacional como escritor e resistente. Ele é, e sempre foi, um homem de esquerda. E por isso a esquerda, toda a esquerda, deve apoiá-lo. Na certeza de que, à direita e ao centro, também muitos verão nele, mais do que em Cavaco, o homem que pode, em Belém, ser o rosto de uma Pátria à procura de novas Descobertas. Para que chegue, como dizia Sophia de Mello Breyner, "o dia inicial inteiro e limpo". "